quarta-feira, outubro 12, 2005

muito, meu amor.



mas gostava que soubesses que já gostava muito de ti, embora
ainda não tenha tido tempo de saber o que é isso de gostar muito de ti.
não, o que me assusta mesmo muito, quase terror por vezes, é depois não poder voltar atrás. quero dizer, depois de começar a gostar de ti como gosto, já não consigo desfazer isso que se fez, sei lá o quê, o que nos traz juntos até aqui.

[pedro paixão, muito, meu amor].

3 comentários:

Anónimo disse...

Adeus

Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava.
Acreditava,porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.

Mas isso era no tempo dos segredos,
era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
era no tempo em que os meus olhos
eram realmente peixes verdes.Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor,
já não se passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.

Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.
Adeus.

Eugénio de Andrade

Anónimo disse...

Lindo!
*

Anónimo disse...

E porquê desfazer?
Melhor do que desFAZER é FAZER: construir, erigir, conceber, dar sentido! Tira-se a matéria-prima do "isso". Suga-se-lhe o tutano. Consome-se tudo o que ele oferece, até que, por fim, "isso de gostar muito de ti" aos poucos vai desaparecendo... e fica o que se construiu com ele.
Se não for oAMOR também não será obrigatoriamente AMORte!