quarta-feira, outubro 19, 2005

ficções.

a sala cheirava a mofo, a móveis velhos e a pó nas janelas. num cadeirão verde já muito coçado ela sentava-se todas as noites à frente da velha televisão, os ossos a doerem do dia inteiro de pé, a trabalhar nas terras. a noite era a altura preferida para ela, sempre tinha sido, desde há oitenta anos. vestia o vestido preto simples que a neta lhe tinha dado um natal atrás, há muitos anos, punha as argolas de ouro que a mãe lhe dera quando se casou e assim ataviada via o jornal, as novelas, tudo o que passasse. sim, pensava ela, porque se eu os vejo tão bem, quem me garante que eles não me vêem também?? e assim se passavam as noites, solidão preenchida por um ecrã cheio de vidas que ela vivia agora como suas.

7 comentários:

Anónimo disse...

O PRIMEIRO DIA

A principio é simples, anda-se sózinho
passa-se nas ruas bem devagarinho
está-se bem no silêncio e no borborinho
bebe-se as certezas num copo de vinho
e vem-nos à memória uma frase batida
hoje é o primeiro dia do resto da tua vida

Pouco a pouco o passo faz-se vagabundo
dá-se a volta ao medo, dá-se a volta ao mundo
diz-se do passado, que está moribundo
bebe-se o alento num copo sem fundo
e vem-nos à memória uma frase batida
hoje é o primeiro dia do resto da tua vida

E é então que amigos nos oferecem leito
entra-se cansado e sai-se refeito
luta-se por tudo o que se leva a peito
bebe-se, come-se e alguém nos diz: bom proveito
e vem-nos à memória uma frase batida
hoje é o primeiro dia do resto da tua vida

Depois vêm cansaços e o corpo fraqueja
olha-se para dentro e já pouco sobeja
pede-se o descanso, por curto que seja
apagam-se dúvidas num mar de cerveja
e vem-nos à memória uma frase batida
hoje é o primeiro dia do resto da tua vida

Enfim duma escolha faz-se um desafio
enfrenta-se a vida de fio a pavio
navega-se sem mar, sem vela ou navio
bebe-se a coragem até dum copo vazio
e vem-nos à memória uma frase batida
hoje é o primeiro dia do resto da tua vida

E entretanto o tempo fez cinza da brasa
e outra maré cheia virá da maré vazia
nasce um novo dia e no braço outra asa
brinda-se aos amores com o vinho da casa
e vem-nos à memória uma frase batida
hoje é o primeiro dia do resto da tua vida.

Sérgio Godinho

Anónimo disse...

lindo o texto!!!!

tens de conhecer a Raquel!

tixa disse...

aaaaaaah então é raquel....:)

Anónimo disse...

oh minha maluquinha PUcanina..Eu amo-te míuda..
Amo ler-te, amo tudo em ti :)
B*

João Tiago disse...

míuda?!
:D
:)*
miÚÚÚÚda..

Anónimo disse...

ma pukê?
ma puke é mauca?
Puke?
Puke kéi mimo?
Tem dói-dói rápidu?
Móta..móta à mim.
O meu é mai rápidu...

(sigh..)

Oh mê dês...
oh...
B*

Anónimo disse...

Lamentavelmente a impávida box, passou a ser a "big sister tv" de muita gente.
A " teletela " que George Orwell descreve no seu fabuloso livro "1984", que tem o papel de vigiar e não de exportar conteúdos, é cada vez mais uma quase realidade devido á percentagem crescente de tele dependentes, não pela sua importância cultural mas sim pela solidão crescente muitas vezes egocêntrica,e na maior parte por isolamento dos que nos rodeiam. Deve haver muitas cadeiras, poltronas, sofás e afins com as marcas bem entranhadas do corpo de alguém por toda a dimensão planetária, enfim.