sábado, outubro 14, 2006

[re]volver o baú da memória.


vivir, con el alma aferrada
a un dulce recuerdo
que llora otra vez
*



Volver é um filme feito de regressos. Almodóvar regressa ao princípio dele próprio. O realizador castelhano camufla o espírito rebelde e faz as pazes com a infância, revisitando as raízes e aninhando-se no colo da figura maternal, encostando-se à memória de quem o criou. Pela voz sofrida do tango, passeia-nos por La Mancha, observa o corre-corre aldeão, a vida regrada por hábitos e rotinas populares. Desde os beijos repenicados à ausência do conflito ruidoso, passando pelo pacífico luto e culto negro da morte, ou pelos espiritualismos assertivos.
Em sotaque manchego, somos presos a um pretérito imperfeito, onde assuntos ficam por resolver e estórias são arrastadas para o silêncio. Pela mão do vento sueste, chegam as recordações, que se diluem no presente e apagam as fronteiras temporais. Não fosse o guião escrever-se sobre a ambiguidade fantasmagórica de Irene (Carmen Maura), que se constrói em linhas trémulas entre vida e morte e consolida a ideia de purgatório na terra.
Volver é ilustrado pelas cores garridas de Irene, Raimunda (Penélope Cruz) e Soledad (Lola Dueñas), e Paula (Yohana Cobo), quatro mulheres à beira de um ataque de nervos, três gerações de segredos, luta interior, desespero e coragem desmedida.
Almodóvar não escreve um melodrama de uma Espanha recôndita. Conta-nos, sim, uma outra Espanha, feita de outras protagonistas. Uma região por moldar, em estado bruto. De simplicidade em punho, entrecruza e confunde os risos e as lágrimas, fazendo brotar o humor cáustico sob a forma de comédia triste.
Volver é, de facto, voltar ao elogio da mulher, à ausência masculina. Voltar à essência dos traços femininos, nus e crus, espelhados na tela falada de Pedro Almodóvar.



* excerto de “Volver” de Alberto Iglesias, cantado por Estrella Morente.

10 comentários:

Anónimo disse...

:)

Loose Lips Sink Ships

b disse...

Um dos melhores filmes que vi este ano. Uma das melhores críticas que (re)li. ihhihihi. Meu amor de olhos doces. [*] Quiero volver.

Anónimo disse...

era tão mais fácil se tivesses simplesmente dito que é um filme muito muito bom! a crítica deixa-a para quem percebe disso!!!! por favor! escreves muito bem, mas livrinhos de histórias de embalar. cinema é outra coisa, não precisa de floreados e palavrinhas bonitas para se explicar.
até porque duvido que tenhas estado em espanha mais de 5 vezes. portanto a perspectiva espanhola que tão bem descreves é pura suposição, certo?
mas gostei! não sei se era verdadeiramente uma crítica ou uma descrição apenas. de qualquer forma, se essa foi a melhor maneira para dizeres que gostaste muito do filme, podias ter passado a parte intelectual da coisa e deixá-la fluir, era bem mais genuíno! assim qualquer um se perde!
impressionou-me sabares o nome da interprete da musica. a internet tem destes milagres!!
irrita-me que filmes tão bons estejam assim ao dispor de todos...acabam por não ser de ninguém!
amei o filme quando o vi, marcou-me imenso...talvez por isso me tenha sentido quase ofendido com a tua lamechice. mas gostei, juro que gostei! só acho que podes relaxar.

couve-flor. disse...

direito de resposta ao corpo celeste anónimo, em jeito de história de embalar:

[aviso]não é uma crítica, é a minha visão do filme. a crítica deixo-a para os especialistas, como tu própria(o?) disseste.
de facto, não estive em espanha mais de 5 vezes. mas aceito qualquer contribuição para uma visita prolongada. obrigada pela preocupação!defendo a ideia de que, lendo as palavras de quem esteve nos lugares que não visitei, posso conhecer os traços característicos de diversos pontos do mundo...sou uma espécie de Mefistófeles, do conto do José Luís Peixoto.
o texto é um trabalho de faculdade. não pretendo chegar áo rótulo de intelectual. escrevo como penso e penso como escrevo. para ti, o texto é apenas uma ofensa pretensiosa. pois também te digo que o anonimato (quando não verdadeiramente plausível) também se torna uma ofensa. mas uma ofensa cobarde que nem chega aos pés da opinião.
quanto ao nome da intérprete, não o sabia, obviamente. e concordo contigo: a internet é, de facto, maravilhosa!as coisas que se podem descobrir!vê lá que até se pode ofender pessoas sob um esconderijo chamado anonimato!
realmente, é uma chatice os bons filmes não estarem reservados para os de intelecto especializado... é urgente uma ditadura cinematográfica! por favor, senhores do cinema, acabem já com a distribuição de filmes democrática!
cuidado com a minha lamechice. pode acabar com constelações, tornando-as sensíveis!é um espectáculo tremendo e não aconselhado a pessoas de arrogância maior...
eu estou relaxada, minha querida... mais uma vez, obrigada pela preocupação. é tão querido da tua parte!
sabes, almodóvar ficaria certamente enternecido por saber que o Volver te marcou. choraria de felicidade por saber que o amaste. talvez até o tornasse teu e só teu!:)
para a próxima, escrevo uma descrição à tua maneira,boa? "amei o filme, marcou-me imenso". acrescentaria, talvez: "cinco estrelas". só para incluir o teu nome tão revelador, claro!

Anónimo disse...

E pronto Martinha...cometeste outra vez o mesmo erro...é impressionante. Asim como te deverias ter-te limitado a dizer que o filme "é muito muito bom" e ficares por ai, deverias ter respondido aí á star que é "muito, mas muito cabeça de atum".

Sinceramente... =)

Anónimo disse...

a necessidade de te explicares é fabulosa! :)
no entanto, reparo que estás bem guardada!

couve-flor. disse...

a democracia é como a internet, tem "destes milagres"... permite o direito de resposta!:)
oh...eu é que fico, mais uma vez, enternecida com a tua preocupação...segue o teu conselho e "relaxa"...estou bem guardada, como dizes!não preciso da tua constante preocupação, querido anónimo...

Anónimo disse...

Na verdade, quando iniciei este meu contributo, pensei fazer um comentário, de preferência azedo, à verborreia da/do estrela, mas afinal não vale a pena!
O que vale verdadeiramente a pena é reafirmar o quanto me agrada TUDO o que tens escrito, naquilo que eu considero uma profunda e sentida intimidade com a palavra e com a vida que te rodeia.
Ao resto, ignora - este mundo está cheio de invejas parolas, despeitadas e tacanhas, armadas em intelectuais, tipo "esquerda erótica"

Anónimo disse...

uma grande salva de palmas!!!!
guardam-se todos muito bem uns aos outros! folgo em saber! :)

Anónimo disse...

Escrever é arte, e como todas as artes cada palavra está sujeita a criticar. As criticas tornam o autor mais forte, fazem-no olhar no pormenor cada palavra à procura da falha. Nao posso deixar de comentar o que aconteceu aqui:nao foi a arte que foi criticada. Lia outro dia sobre Gabriel Garcia Marquez que nao se pode antever a obra atraves do autor, e nuito menos se deve cricar a obra com o intuito de ofender o autor. Arte é arte, e a arte "nao tem cara".
Errou a "estrela"ao confundir estes parametros, nota-se que a ctitica nao é feita ao texto, mas à autora dele. Tem inevitavelmente o drama pessoal em cada palavra. A mim parece-me, nesta antevisão do pessoal,que a dita "estrela"(anonina porque reconhece a sua insignificancia no imenso ceu das palavras) atraves de uma critica muito bem manipulada mas muito mal direccionada. Escreve bem, é verdade, mas aponta mal ao alvo. É qualquer coisa como "chove demasiado no deserto da tua arte", ou pelo menos, um qualquer ditado polular que agora nao lembro, que afirma que sao insignificantes todas as forças que investimos no momento ou na direcçao errada.
Assim, nunca brilhara, e havera sempre quem brilhe mais. Talvez seja isso que a ofende, pois nao entendeu que "o ceu é para todos". Conclusao: tentast brilhar no lugar errado. A querer faze-lo fa-lo com arte.
"Irrita-me que filmes tão bons estejam assim ao dispor de todos..."-Nao entendi bem se este é um pensamento puro ou é só azedo. A ser puro tenho pena que ainda haja gente que se mostra tao contra um HUMANIDADE que levou, e levará ainda, muitos anos a construir. Pergunto-me também se na tua imaginação nao seria melhor que toda a arte fosse restrita a pessoas de certa cor, status ou sabedoria.
De tudo isto, resta dizer que de estrela nao tens nada...Estas no universo é certo, mas acredito no dia em que nele deixará de existir espaço para pensadores como tu.nesse dia todos os buracos negros se fecharão,e provavelmente seras das primeiras a ser engolida.
Deixo ainda o apontamento de que nao estou a "guardar" ninguem. Nao conheço nem a autora do texto, nem a da critica, apenas me surpreendo de tudo quanto pode ser dito em nome da arte, quando de longe nao é ela que está em questão. Leia-se "entrelinhas": este nao é o local para se infernizar a arte com questoes pessoais.
à parte da minha opiniao pessoal, estao as duas de parabens, souberam defender-se muito bem.