quarta-feira, agosto 31, 2005

ficções.

o olhar pousou nela por acaso, enquanto contava as janelas da carruagem para se entreter. tinha o cabelo loiro, preso atrás por um elástico colorido, olhos em forma de amêndoa e uma boca suave, realçada pelas maçãs do rosto coradas. pensou que nunca tinha visto pessoa tão adorável. continuou a observá-la secretamente e, embalado pelo barulho do comboio, sonhava com ela, construía um futuro como quem cria castelos de cartas, saltando de sonho em sonho até precisar desesperadamente de a conhecer, sentindo o ar a fugir-lhe e a troçar dele e da sua timidez. procurou encontrar-lhe o olhar mas ela lia, absorvida noutro mundo, indiferente às sacudidelas da carruagem. esperando um golpe de sorte, continuou a admirá-la, até que de repente ela ergue o rosto e olha directamente para ele. ele baixa a cabeça apressadamente, cora e não volta a fitá-la.amaldiçoa a sua falta de coragem, mas pensa, abatido: "como se ela fosse olhar para mim...".

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sentia uma impressão estranha. quase como se estivesse a ser observada. sente-se incómoda, cruza e descruza as pernas, passa páginas à frente sem as ler. impaciente, levanta a cabeça do livro e encontra o olhar de um rapaz sentado perto dela. "olhos castanhos aveludados", pensa. e depois recrimina-se: "que disparate..." contudo, durante a viagem continua a dirigir-lhe olhares sub-reptícios. absorve os ténis, as calças rasgadas, a t-shirt de um herói de bd, entretém-se a analisar-lhe as feições. gosta dos maxilares fortes, da boca generosa, do olhar, do cabelo despenteado. "olha para mim outra vez", pede. mas ele sai, passado um bocado, de cabeça baixa. "oh, como se ele se fosse interessar por mim...", suspira resignada.

terça-feira, agosto 30, 2005

para o meu amigo neruda-entre-aspas.



por teres os olhos fechados para os meus traços desalinhados,
por teres os olhos abertos para os meus traços vivos,
por me ofereceres linhas de poesia e prosas sorridentes,
por impedires que as ondas do mar rebentem no meu rosto,
por saberes que o lado esquerdo existe intensamente em mim,
por abraçares a minha pequenez de ser e me fazeres grande e alta e capaz de chegar ao cimo de mim.

para ti, que mesmo longe, continuarás sempre tão perto, a nove números da minha alegria.




hoje lembrei-me do relógio que havia em casa da minha tia-avó, que batia as badaladas com um som profundo e magnético... queria ter-te comigo a cada hora, cada vez que o relógio soasse, entretanto e depois. a magia de cada momento mantém-se, a necessidade aumenta. que bom. queria que te materializasses a cada badalada, com um roçagar de roupas e um vento frio, um sorriso estampado no rosto. ter-te presente em cada canto da casa. mágico.
por um lado, ainda bem que setembro chegou.
por este lado.
:)

segunda-feira, agosto 29, 2005

dezoito.



hoje comprei dezoito lápis de cera para voltar a lembrar dias de uma infância de dezoito cores, uma infância curta e quase esquecida.
uma infância de dias maiores, de vestidos esvoaçantes, de um andar dançante, de gargalhadas sem sentido, de batidos de chocolate, de corneto de morango, de castelos na areia, de quedas amparadas, de sonos ininterruptos.
hoje voltei a ser pequenina e livre de responsabilidades e de burocracias e de outras -ades e de outras -cias.
e parei para pensar como era bom ser o gato de Pessoa que brinca na rua sem calcular se haverá pedra na calçada que lhe chegue para se deitar ao sol.


sábado, agosto 27, 2005

de volta.

regresso a coimbra por vezes encantada, a coimbra que me acolhe sempre quando quero fugir, a coimbra que me conhece melhor do que ninguém. sinto-me ainda desajustada, como se a cidade já não estivesse moldada a mim. ou eu a ela. é a minha coimbra, que me viu crescer mais em anos que numa década, mas as recordações são apenas isso, frágeis negativos do que já se foi, e cabe-me construir algo de novo e marcante. pelo menos para mim. cabe-me a mim tornar este ano digno de qualquer livro de memórias. não sei bem porquê, mas tudo está tão diferente... será que a coimbra um pouco parada no tempo avançou? ou fui só eu? as pedras da calçada ecoaram os meus passos rápidos ou o caminhar lento e arrastado de quem quer estar noutro lugar. as paredes ressoaram com gritos, choros, risos, gargalhadas desenfreadas. há sítios impregnados de vivências a que não vou querer voltar. outros hei-de sempre visitar, com um ramo de sentimentos mistos de quem já não pertence ali. o vaivém de pessoas nunca vai parar, já que a cidade vive dos transeuntes temporários, e sem eles estagna. coimbra recebe-me sempre de braços abertos. e nela sinto-me sempre mais leve.


cheguei...

sexta-feira, agosto 26, 2005

clandestina.



hoje queria estar aqui, de música clandestina a passear na pele e com o sussurro da tua voz a caminhar para o meu ouvido.
hoje queria ser clandestinófila e ouvir-te contar como se prendeu na perfeição a noite do
trio conimbricense.
queria estar nesse lugar pequenino de meia-luz, que integra em si uma grandeza dos sentidos, de todos os sentidos, de todas as cores e sons e toques e gargalhadas e beijos achocolatados e praia e maresia.
sim, sou clandestina no pays de l'amour. mas na intensidade apaixonante não tenho de ser, pois não?

the arcade fire.



wake up
hold your mistake up
before they turn the summer into dust.
[the arcade fire, wake up].
de um fim de dia claro para um início de noite poeirenta, ouvi-te acompanhada de um funeral que não entristece, um funeral que de morte nada carrega, que pega na minha força contida e a eleva ao mais alto dos cenários.

dias minhotos.


queria ficar num momento à beira-rio, de melodias ácidas a pairar no ar.
queria ficar na dança livre ao pôr-do-sol, com três pontos de uma exclamação que reavivou a leveza de espírito. queria prolongar os dias minhotos e voltar para um novembro de tactos escondidos, de paixão ternurenta não exposta aos olhos perversos do mundo. queria voltar a mim.

quinta-feira, agosto 25, 2005



este verão qualquer coisa mudou. sinto-o no ar, algo está diferente. é como se as coisas à minha volta tivessem esticado e encolhido e trocado de lugar mas agora de repente tudo parece no seu devido sítio. certezas prévias foram destronadas, algo se reorganizou...
o pôr do sol dá sempre lugar a um renascer.

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acreditam em anjos da guarda?

apetecia-me ter empoleirada no meu ombro uma figurinha risonha e inteligente, com respostas mordazes às minhas eternas questões - assim de repente vem-me à cabeça a imagem da sininho. quando estivesse prestes a dar um passo em falso a criaturinha puxava-me a orelha, como se eu fosse uma criança traquina a desobedecer. tss tss, dizia ela. já pensaste bem no que vais fazer?
a grande vantagem do anjo da guarda seria avisar, mas manter-se-ia no meu ombro se eu fosse em frente e desse o tal passo em falso e depois caísse no abismo. lá me puxava ele, sacudia-me o pó dos ombros e sussurrava pronto, já passou, agora tudo vai melhorar.
tenho pessoas que são os meus anjos da guarda, à falta de uma sininho traquina e alegre pendurada no meu cabelo...

segunda-feira, agosto 22, 2005

mar adentro, más adentro.



as migalhinhas de simplicidade caem de um bolo chamado distância.
estou de volta à proximidade das palavras que vivem em meios modernos.
não te encontrei à minha espera. ergueu-se uma bandeira vermelha na praia dos amores.



[proibido mergulhar em ti.]

mar adentro, mar adentro, y en la ingravidez del fondo donde se cumplen los sueños, se juntan dos voluntade para cumplir un deseo.

un beso enciende la vidacon un relámpago y un trueno, y en una metamorfosis mi cuerpo no es ya mi cuerpo; es como penetrar al centro del universo:

el abrazo más pueril, y el más puro de los besos, hasta vernos reducidos en un único deseo:

tu mirada y mi mirada como un eco repitiendo, sin palabras: más adentro, más adentro, hasta el más allá del todo por la sangre y por los huesos.

pero me despierto siempre y siempre quiero estar muerto para seguir con mi boca enredada en tus cabellos.
[ramón sampedro].

domingo, agosto 21, 2005

princípio do fim? esta altura do ano é feita de últimos (dias de praia, sugestões de férias espampanantes) e primeiros (regresso ao trabalho... eleições...). uma miscelânea gira de contrastes. o primeiro dia de praia muito ventoso e o sol que ainda queima. a vontade de usar roupas leves e os primeiros casacos de inverno. sempre gostei do outono, do inverno, nunca me senti com muita pena quando o verão acaba porque por esta altura começo a sentir-me irrequieta. bichos carpinteiro percorrem-me e não arranjo posição para estar. folheio livros e revistas à velocidade da luz. uma nostalgia envolve-me por causa do que já se foi, mas também pelo que virá...

este ano temo a chegada do outono e inverno. queria que o verão se prolongasse. como sei que nada é eterno... os últimos momentos são bebidos como se deles dependesse o quente do inverno. e depende. setembro vai ser feito de momentos desses, que vou armazenar para serem o meu cobertor nas alturas em que a saudade me vai arrefecer...

terça-feira, agosto 16, 2005

quereres. miscelâneas.

quero que o optimismo reine mais. quero que as pessoas boas não tenham que sofrer. quero que a ingenuidade que me resta se mantenha, porque é o que me faz ver aquele brilho escondido. quero que o mundo se torne melhor.

todos nós queremos muitas coisas, mas tendemos a colocar as nossas necessidades no plano material. hoje em dia muito se decide em função das aparências: a marca da roupa, o último grito na tecnologia, até o corpo da moda... gosto de pensar que o que me move é o desejo de me tornar melhor, de fazer felizes as pessoas de quem gosto, de me superar, desafiar... gosto das futilidades inofensivas, não daquelas que se tornam razão de viver. gosto dos momentos de lazer light que alternam com outros mais profundos. gosto de explorar o mundo dos livros e dos escritores, da televisão, da música. gosto das pérolas raras que encontro em lugares inesperados.

queria que as pessoas lessem mais, pensassem mais, decidissem mais, e não vogassem ao sabor das intempéries. queria-as afirmativas, assertivas.

tenho um desejo profundo de deixar este mundo num estado melhor do que quando o encontrei. de marcar. acho que por detrás de cada escrita há uma vontade de mudança, de partilha. odeio que me digam "vai por ali". eu decido. mas aceito bons conselhos, sempre, porque a emoção tolda o raciocínio e há alturas em que um erro pode arruinar algo de bom. importante. gostava de construir com a minha vida algo que perdurasse depois de mim.

quero que se páre de apontar dedos a quem supostamente é o culpado e se comecem a procurar soluções.

quero tanta coisa...



(quero continuar a escrever coisas assim, estranhas, desconexas, que podem só fazer sentido para mim mas que mesmo assim me dá gosto partilhar...)

quarta-feira, agosto 10, 2005

"nós???"

"sonha como se vivesses para sempre, vive como se fosses morrer hoje"

(james dean)


mas que máxima tão apropriada para o dia que tive hoje... a nuvem negra dissipou-se, embora ainda não inteiramente... as coisas por vezes resolvem-se sozinhas, e um alívio substitui o coração pesado, as palavras outrora de chumbo decidem voar...

nunca pensamos que nos vai acontecer a nós. não, a nós não. nós somos fortes. ora, essas coisas acontecem aos outros! nós temos cuidado. não, a nós nunca acontecem essas coisas. mas de onde tirou você essa ideia?

é nos momentos chave que descobrimos a nossa força. e quem se preocupa, quem nos preocupa. quem é vital. somos todos mais fortes do que pensamos.
queria asas para voar e espalhar uma poeira dourada de força, impregnar o ar com ela para todos a absorverem. falta energia positiva, esperança... e acreditem que às vezes não as descubro no meio dos escombros. mas estão lá, semi-soterradas, à espera de quem as vá salvar.

domingo, agosto 07, 2005


(carlos matos)

desenhar com a ponta do dedo círculos na areia, figuras imprevistas, como se os contornos dessem a vida, como se criassem a carne humana. a nuvem negra não me larga, persegue-me, presa a mim por um fio invisível. e se não tiver força, e se a tempestade se desencadear? o que se faz quando não se pode fazer nada para pôr alguém bem?

(eu vou ter força, eu sei... só tenho medo de me esgotar.)
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quinta-feira, agosto 04, 2005

entre amigas

nunca concordei muito com a colagem do termo "silly season" em relação ao verão... não acho que o descanso, a diversão e o relaxar sejam tontos! são vitais... é importante escapar ao bulício quotidiano da cidade, ao stress das aulas e trabalhos, para pensarmos um bocadinho em nós... e rir a bandeiras despregadas quando se "rouba" o pão aos vizinhos, das noites em que o corpo se solta, dos jantares e brindes, até se vai dormir à praia (e morrer de frio), e no fim adormece-se o cansaço com o sorriso satisfeito de quem está entre amigos.

não são "silly" também os incêndios ("Portugal arde de Norte a Sul"), a seca, as culturas estragadas, o céu tingido de fumo... o que há de tontinho no verão, afinal?!